Sociedade Justiça Conselho Constitucional afirma que o Regulamento da Polícia já havia sido revogado

Conselho Constitucional afirma que o Regulamento da Polícia já havia sido revogado

Conselho Constitucional afirma que o Regulamento da Polícia já havia sido revogado

O Conselho Constitucional (CC), o mais alto órgão responsável por matérias de constitucionalidade em Moçambique, indeferiu uma petição do Procurador-Geral da República, Augusto Paulino, para declarar inconstitucionais duas cláusulas do Regulamento Disciplinar da Polícia da República de Moçambique (PRM), aprovado em 1987, pelo facto de as mesmas já terem sido revogadas. O aludido regulamento previa penas de prisão disciplinar simples e prisão disciplinar agravada, como sanções aplicáveis aos membros da Polícia, cujas definições constam dos artigos 12 e 13 do mesmo.

Com efeito, o artigo 12 do regulamento estabelece que “a prisão disciplinar simples consiste no internamento do infractor na Unidade ou em sector de produção do Ministério do Interior durante o tempo não inferior a cinco e nem superior a 25 dias, devendo aí executar trabalho manual, nomeadamente, construções, limpeza e outros serviços auxiliares” e o artigo 13 preceitua que “a prisão disciplinar agravada consiste na reclusão do infractor num recinto apropriado (cadeia ou casa de reclusão) até 60 dias e na sua afectação em regime reeducacional nas Unidades Produtivas do Ministério do Interior” e sem direito a um recurso em tribunal.

O referido regulamento, aprovado há mais de 25 anos, foi evocado pelo Comandante Geral da PRM, Jorge Khalau, em Abril último, para deter o comandante distrital da PRM em Nacala Porto, Adriano Muianga, e quatro membros da corporação por, alegadamente, estarem a guardar ilegalmente armas de fogo nas instalações do comando distrital.

Nos finais de Julho, estas acusações viriam a ser retiradas pelo tribunal distrital de Nacala Porto, quando se apurou que a decisão de guardar as armas no comando distrital da PRM era do conhecimento das autoridades competentes, e que as mesmas apenas tinham como objectivo garantir a protecção dos navios mercantes ao longo do Canal de Moçambique contra eventuais ataques de piratas somalis.

Antes de Muianga conseguir provar a sua inocência, oficiais superiores da PRM, incluindo o seu comandante geral, Jorge Khalau, declararam que tinham o direito de manter Muianga encarcerado ao abrigo do Regulamento Disciplinar da PRM de 1987.

Após a sua detenção, Muianga foi conduzido ao magistrado (porque, teoricamente, ninguém pode permanecer em prisão preventiva por um período superior a 48 horas sem a autorização do tribunal), que decidiu restitui-lo a liberdade provisória, enquanto decorriam as investigações.

Contudo, Muianga viria ser detido novamente pela polícia. Como resultado, o seu advogado submeteu um pedido de habeas corpus a seu favor e dois dos seus co-réus.

Mais uma vez foram reconduzidos ao tribunal, onde novamente o juiz decidiu restitui-los a liberdade provisória. Para evitar a sua terceira detenção, Muianga e os seus colegas decidiram refugiar-se na Procuradoria Provincial.

Após várias horas de negociações, Muianga e seus colegas conseguiram sair da Procuradoria distrital sem enfrentar o risco de serem detidos novamente.

Para complicar ainda mais a situação, Khalau chegou ao extremo de afirmar diante das câmaras de televisão que “Nós (a PRM) não obedecemos a nenhum juiz. Nós tomamos as nossas medidas internas”.

Por isso, Paulino acabou por solicitar ao Conselho Constitucional para revogar os artigos inconstitucionais no regulamento de 1987.

Como argumento, Paulino explicou que a atribuição de competências aos oficiais da Polícia para aplicação de medidas de privação da liberdade aos membros da PRM que violarem os seus deveres constitui uma flagrante violação ao “princípio da separação de poderes, vertido nos artigos 1, 3, 133 e 134, todos da Constituição da República”.

Prosseguindo, Paulino afirmava que a consagração no Regulamento da PRM de medidas privativas da liberdade abre espaço para “usurpação de poderes do judiciário pelo Executivo, o que não é tolerável num Estado de Direito Democrático, como é o nosso”.

Por que a Constituição refere clara- mente que apenas os tribunais podem validar e determinar a prisão, o Regulamento da PRM “colide directamente com as normas constitucionais”.

Por isso, o CC questiona, no seu acórdão da Quarta-feira da semana passada, a validade do regulamento de 1987 que foi usado para justificar a detenção telinforma de Muianga.

Depois de a Constituição de 1990 ter abolido o sistema de partido único e introduzir um sistema político pluralista, foi aprovada uma lei em 1992 que alterou o nome da corporação policial, de Polícia Popular de Moçambique (PPM) para Polícia da República de Moçambique (PRM).

Por isso, todos os aspectos da legislação anterior foram revogados. Em Maio de 1999, o governo elaborou os novos estatutos da PRM, que referem que “o membro da PRM goza de todos os dire- itos, liberdades e garantias reconhecidos aos demais cidadãos, sem prejuízo das restrições previstas por lei”.

Por isso, o Conselho Constitucional argumenta que todas as normas que entram em conflito com o novo Estatuto da PRM sejam automaticamente revogadas.

Os artigos do regulamento de 1987, que permitem a detenção de membros da polícia até um período de 60 dias, “são manifestamente contrárias” ao conteúdo normativo do artigo 80 do Estatuto do Polícia no que se refere a direitos, liberdades e garantias reconhecidas aos demais cidadãos.

Com relação a frase “sem prejuízo das restrições previstas na lei”, o CC explica que a mesma deve ser entendida no contexto da Constituição moçambicana, que refere que “a lei só pode limitar os direitos, liberdades e garantias, nos casos expressamente previs- tos na Constituição”.

Assim sendo, não existe nada na Constituição que permite que membros da polícia sejam detidos até dois meses pelos seus superiores hierárquicos.

Em suma, a PRM não tem a legitimidade de usar a privação da liberdade de seus membros como uma medida disciplinar.

O CC conclui que não existe nenhuma dúvida em declarar os artigos 12 e 13 de 1987 do Regulamento da PRM de inconstitucionais, pelo facto de os mesmos terem caído em desuso, uma vez que foram revogados há 13 anos pelo decreto de Maio de 1999 que aprova os Estatutos da PRM.

Por isso, o CC afirma, no seu acórdão, que não faz sentido declarar inconstitucional algo que já foi revogado.

A decisão do CC constitui um golpe profundo contra Khalau e outros juristas do Ministério do Interior que defendiam o regulamento de 1987, e que não se aperceberam que várias cláusulas foram revogadas pelo Estatuto da PRM de 1999.