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Galp e Autoridade Tributária em disputa sobre ganhos de capital na exploração de gás

A prestigiada ONG de combate à corrupção, Centro de Integridade Pública (CIP), acusou a empresa petrolífera portuguesa Galp de ameaçar a soberania económica de Moçambique numa disputa legal em curso com a Autoridade Tributária (AT) do país.

A contenda iniciou quando a Galp decidiu vender, ao longo do último ano, a sua participação no consórcio que explora gás natural na Área Quatro da bacia do Rovuma, localizada ao largo da costa da província de Cabo Delgado, à ADNOC, a empresa petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos.

A Galp alienou os seus activos em Moçambique por 1,2 mil milhões de euros (cerca de 1,3 mil milhões de dólares americanos, segundo a taxa de câmbio actual).

Segundo a AT, este valor resulta num ganho de capital tributável de 162 milhões de euros, fundamentado na aplicação da taxa padrão de 17,6%. Contudo, a Galp argumenta que o ganho de capital justo não ultrapassa os 26 milhões de euros.

Com o intuito de contestar a decisão da Autoridade Tributária, a Galp decidiu levar o caso para arbitragem internacional, através do Centro Internacional de Resolução de Disputas de Investimento (ICSID) do Banco Mundial.

Segundo a análise do CIP, a decisão da Galp de contestar as exigências da AT e optar pela arbitragem internacional “coloca em conflito o direito legítimo de um Estado de tributar os seus recursos subsolares com a estratégia de uma empresa de minimizar a sua carga tributária através de estruturas corporativas complexas e mecanismos de litígios internacionais.”

O CIP salienta que a empresa terá que provar em tribunal que os seus investimentos dedutíveis eram quase três vezes superiores ao valor aceito pela Autoridade Tributária. Esta discrepância sugere uma interpretação fiscal agressiva por parte da Galp, que poderá estar a inflacionar artificialmente os custos dedutíveis para erosionar a base tributável e, por conseguinte, o imposto a pagar.

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O cerne da disputa, segundo o CIP, reside na maneira como a transacção foi estruturada, uma vez que a Galp não vendeu directamente a sua licença de operação no país, mas sim acções da sua subsidiária Galp Energia Rovuma B.V., sediada na Holanda.

A organização argumenta que “o objetivo é transferir o local legal da transação para uma jurisdição estrangeira, na tentativa de a retirar da autoridade fiscal do país onde se encontram o ativo físico e o seu valor económico.” Os indícios sugerem que a empresa visa evitar o pagamento de impostos em Moçambique, invocando extraterritorialidade, e não pagar impostos na Holanda, beneficiando de regimes fiscais internos favoráveis, conhecidos como isenções de participação.

O CIP observa que, na ausência de um Acordo de Dupla Tributação com a Holanda, a legislação moçambicana é a única regra aplicável. O código tributário moçambicano determina que os ganhos provenientes da venda indireta de ativos localizados em Moçambique são considerados rendimento de origem moçambicana, independentemente do local onde a transação ocorra. Esta norma, concebida especificamente para combater o planeamento fiscal agressivo, sustenta a posição da AT.

A organização acredita também que a Galp recorreu à arbitragem internacional para “explorar o profundo desequilíbrio de poder financeiro entre a empresa e o Estado moçambicano, forçando o país a aceitar um acordo desfavorável para evitar custos legais exorbitantes, estimados conservadoramente entre 6 e 8 milhões de dólares, o que corresponde a cerca de 3,4% a 4,6% do total de imposto devido.”

O CIP, citando estudos sobre litígios fiscais no setor extrativo, refere que “nestes cenários, as empresas não buscam necessariamente vencer. Muitas vezes, o seu objetivo é forçar concessões e impor uma negociação injusta. Neste campo de batalha, o processo legal deixa de ser um instrumento de justiça e transforma-se numa arma de dissuasão económica.”