Organizações da sociedade civil de Moçambique submeteram uma carta ao Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, solicitando a sua intervenção em defesa da democracia e dos direitos humanos em Moçambique, alertando para as graves consequências do silêncio perante a crise pós-eleitoral.
A carta, assinada pela Plataforma Decide e pelo Centro de Integridade Pública, duas das principais organizações não-governamentais moçambicanas, afirma que a África do Sul e a região não podem ficar de braços cruzados. “O silêncio e a inacção de hoje serão vistos amanhã como cumplicidade com um regime que sufoca os direitos humanos e a democracia, comprometendo a paz e a segurança de toda a região austral de África”, lê-se no documento.
A contestação aos resultados eleitorais em Moçambique é a maior desde as primeiras eleições multipartidárias, em 1994, com protestos intensos marcados por confrontos violentos entre a polícia e manifestantes. Os confrontos resultaram em quase 300 mortos e centenas de feridos, além de destruição generalizada pelo país desde Outubro.
Na carta dirigida a Ramaphosa, as organizações moçambicanas pedem que o Presidente sul-africano recorra à “faculdade de Estado parte” para solicitar uma providência cautelar no Tribunal Africano.
O objectivo é impedir a tomada de posse de Daniel Chapo, proclamado vencedor das eleições de 2024 com 65,17% dos votos, mas cuja vitória continua a ser contestada nas ruas. Chapo, candidato apoiado pela Frelimo, partido no poder, tomaria posse no próximo dia 15 de Janeiro.
“Desde o recenseamento eleitoral de 2023, que se estendeu para 2024, o processo eleitoral moçambicano foi marcado por irregularidades graves… A tomada de posse de um Governo cuja legitimidade é amplamente contestada, combinada com o silenciamento violento de manifestantes, não trará estabilidade, mas sim a institucionalização de uma guerra fria”, argumenta a carta.
A sociedade civil acusa as autoridades moçambicanas de estarem a cometer “crimes contra a humanidade” na tentativa de reprimir os protestos pós-eleitorais. Além disso, pede que Ramaphosa assegure a intervenção do Conselho de Paz da União Africana e que requeira a instauração de processos judiciais no Tribunal Africano e no Tribunal Penal Internacional contra o comandante-geral da polícia moçambicana, Bernardino Rafael, e o ministro do Interior, Pascoal Ronda.
O documento alerta também para o risco de a crescente descrença nas instituições nacionais de Moçambique levar a fluxos migratórios em massa para a África do Sul, o que poderia pressionar as comunidades locais e potencialmente gerar novos episódios de violência extrema.