Num documento analítico, o Centro de Integridade Pública (CIP) questiona a base usada pelo Governo e as multinacionais para calcularem o valor das “mais-valias” pago por estas ao Estado quando vendem suas participações em projectos da indústria extractiva em Moçambique. O CIP, especializado nesta matéria, mostra que em cada venda de participações houve tratamento diferenciado. Houve quem nada pagou ao Estado e agora a italiana ENI informou que irá pagar 400 milhões de dólares por venda de 28,5% da sua participação no projecto de gás da Bacia do Rovuma. Não se conhece a base de cálculo para a determinação deste valor.
Eis o texto do CIP: “Um comunicado de imprensa da companhia petrolífera italiana, ENI, emitida após uma reunião entre o Presidente Armando Guebuza e CEO Paolo Scaroni em Changara, província de Tete, indicou que a empresa concordou em pagar US$400 milhões de imposto sobre as mais-valias pela venda de 28,75% da sua participação na Bacia do Rovuma Área 4. No acordo, a ENI também se comprometeu a construir uma estação de energia movida a gás de 75 Mega watt em Cabo Delgado.
Em Março de 2013, a ENI anunciou a venda de parte de sua participação na Bacia do Rovuma à empresa China NationalPetroleum Corporation, sujeita à aprovação pelo Governo Moçambicano. Determinar o imposto sobre as mais-valias a ser pago pela venda no valor de US$4.21 bilhões foi fundamental para a ENI garantir a aprovação da transacção pelo Estado Moçambicano.
A tributação de mais-valias sobre a venda de direitos nos sectores mineiro e petrolífero em Moçambique é inconsistente. Nenhum imposto foi cobrado em operações anteriores, incluindo a venda de 8,5% da Área 1 da Bacia do Rovuma pela Artumas em 2009 ou a venda de 100% da mina de RiversdaleBengapelaRio Tinto também em 2009. E não há indicação de tributação sobre a recente transferência de 40% da participação da Petronas na Bacia do Rovuma à Total ou a transferência de metade da participação da Statoil na Bacia do Rovuma, de 25% à Tullow e outros 25% à INPEX.
Um imposto de mais-valias de US$175 milhões (12,8%) foi cobrado à CoveEnergy pela venda, em 2012, da sua participação de 8,5% no Rovuma Área 1 à Empresa Energética tailandesa PTT. A cobrança deste imposto apanhou de surpresa os investidores que resultou em uma queda no preço das acções da CoveEnergy em mais de 8%.
No geral, o quadro legal para a tributação das mais-valias não é claro contudo as regras para as empresas baseadas em Moçambique são claras. A falta de clareza reside sobre as empresas não-residentes (estrangeiras). A partir de 2007 foi usada uma combinação de disposições, tanto da Lei de Imposto sobre o Rendimentos de Pessoas Colectivas (IPRC) como da Lei de Impostos sobre Rendimentos de Pessoas Singulares (IRPS), resultando em uma fórmula complexa, onde a percentagem de imposto devido diminui à medida que aumenta a duração do direito sobre a concessão.
Em 2012, a Assembleia da República (AR) procurou esclarecer a legislação para a tributação das mais-valias numa nova Lei de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC). A AR propôs um imposto directo de 32%, em conformidade com o actual IRPC, sem redução contra a duração do direito sobre a concessão.
A lei foi aprovada pelo Parlamento em Dezembro de 2012 e enviada ao Presidente da República para promulgação. Evocando arrepio à Constituição da República, com efeitos retroactivos, o Presidente da República não promulgou a lei. Em Janeiro, a seu pedido, o Conselho Constitucional analisou a lei mas absteve-se de se pronunciar sobre a alegada inconstitucionalidade. Em Maio, a AR votou pela revisão da lei e fixou que a futura lei seria efectiva a partir de 1 de Janeiro de 2014.
Assim, a tributação das mais-valias em 2013 se baseia nas leis do IRPC e IRPS de 2007. Esta falta de clareza é lamentável, dada a escala de transferências. A ENI já vendeu uma participação de 28,75% no Rovuma por US$4.21 bilhões de dólares americanos e há indicação de que está a pensar em fazer mais vendas. Ao mesmo tempo, 20% da concessão liderada pela Anadarko está à venda, sendo 10% da Anadarko e outros 10% da empresa Indiana Videocon. As fontes indicam que se a oferta indiana for aprovada pelo Governo de Moçambique, será avaliada em mais de US$5 bilhões.
O valor de venda de direitos futuros na Bacia do Rovuma, apenas em 2013, poderá ser de cerca de US$10 bilhões. Isso é mais da metade do PIB de todo o país e terá um impacto sem precedentes na receita do Estado. A tributação sobre a venda de futuros direitos de Gás do Rovuma, em 2013, vale muitas vezes mais do que todos os outros pagamentos por todas as empresas extractivas combinadas na história de Moçambique.
Isto faz com que o processo pelo qual a ENI concordou em pagar US$400 milhões seja de extrema importância. Primeiro, a ENI procurou evitar o pagamento de todo o imposto alegando que estava apenas a vender uma parte da ENI EastAfrica, subsidiária registada na Itália. No entanto, dado que a concessão da Bacia do Rovuma era o único activo da ENI EastAfrica, o Governo de Moçambique rejeitou esta alegação.
No início de Abril, o ministro das Finanças, Manuel Chang, indicou que as negociações com a ENI para o pagamento das mais-valias eram muito difíceis. Contudo, pareceu ter havido mudanças na sequência de reuniões entre o primeiro-ministro, Alberto Vaquina, e CEO Paolo Scaroni na Itália, em finais de Abril. O que aconteceu entre essas discussões e o comunicado de imprensa da ENI emitido após uma reunião entre o Presidente Armando Guebuza e CEO Paolo Scaroni em Changara, província de Tete,em Agosto, é desconhecido.
O que está claro é que a tomada de decisão acontece, mais uma vez, à porta fechada sem nenhuma explicação pública. A falta de transparência constitui um terreno fértil para especulações sobre possíveis más práticas.
Por isso, são muitas as perguntas que carecem de respostas que incluem:
- Por que é que não houve uma explicação pública sobre a forma como foi determinada a avaliação das mais-valias de 12,8% cobradas à CoveEnergy?
- Por que é que não houve tributação de mais-valias nas últimas transferências de direitos na bacia do Rovuma, feitas tanto pela Petronas como pela Statoil?
- Qual foi a fórmula para determinar que o imposto de mais-valias sobre a transacção da ENI seria de US$ 400 milhões (9,5%) e quando foi concluída esta avaliação?
- Qual foi o impacto do compromisso da ENI em construir uma estação de energia de 75mw sobre o montante do imposto das mais-valias?
- Que taxas serão aplicadas à venda de 20% dos direitos de Rovuma Área 1 pela Anadarko (10%) e Videocon (10%) e por que é que estas taxas não podem ser anunciadas com antecedência?”