Sociedade Justiça Demora nos processos judiciais: “Nem juízes nem advogados são culpados ou inocentes”

Demora nos processos judiciais: “Nem juízes nem advogados são culpados ou inocentes”

Demora nos processos judiciais: “Nem juízes nem advogados são culpados ou inocentes”
O juíz desembargador, João Beirão, painelista do 1º Congresso da Ordem dos Advogados de Moçambique que ontem iniciou em Maputo, diz que no assunto da morosidade processual não se pode buscar culpados e nem se pode atribuir a culpa aos juízes. Na verdade, “não há inocentes nem culpados” na demora na tramitação processual.

João Beirão falava em reacção a várias intervenções anteriores que colocavam a responsabilidade da celeridade processual aos juízes, vendo-os como os que pouco se entregam na defesa dos direitos dos cidadãos.

Uma dessas intervenções é do bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Gilberto Correia que fez duras críticas aos juízes acusando-os de cultivar “desprezo” pela sociedade que servem. E ainda: o advogado acusa os juízes de falta de dinamismo.

“Já não faz qualquer sentido conservar religiosamente o ritualismo elitista que caracteriza as nossas sessões em tribunal, nem o desfile de vaidades que alguns membros do judiciário protogonizam na sua actuação (…) e o distanciamento que este poder cultivou,” disse Correia.

Para Correia, muitos cidadãos moçambicanos não têm a cultura de submeter litígios aos tribunais. Assim, como se explica que haja tamanha congestão de processos nos tribunais?

A mesma tese foi tomada pelo advogado Simão Cuamba para quem “os tribunais não funcionam”.

Tantos processos para poucos juízes

O desembargador João Beirão fez a questão de provar aos advogados que não há falta de vontade por parte dos juízes.

Na sua intervenção “Juízes culpados ou vítimas”,  Beirão socorreu-se dos números: actualmente, existem mais de 300 juízes no país, mas apenas 299 juízes é que estão em exercício.

Tendo isso em mente e tomando a premissa de que o país tem, actualmente, mais de 20 milhões de habitantes, confrontado com o número de processos que existem no país, conclui-se, dividindo o número de processos pelo número dos 299 juízes, que para cada juiz estão 100 mil processos.

Esse número significa que, por ano, cada juiz terá que julgar mais de 1020 processos. Isto, segundo Beirão, seria o mesmo que julgar três processos por dia, sem descansar até aos sábados, domingos e feriados.

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A análise trazida por Beirão tentou justificar a ideia de que os juízes não são o rosto/causa da demora no movimento dos processos. É mera falta à verdade. Por outro lado, a lucidez entre juízes existentes no país não é a mesma já que 52 juízes existentes em Moçambique não são licenciados. Com isso, fica claro que a capacidade da tipificação do crime, a análise e o domínio das leis não são iguais.

Com esta “tese”, João Beirão entende que não se pode procurar culpados ou vítimas no caso da morosidade processual no país.

“Só se deve responsabilizar quem não cumpre com o seu papel. Todos os intervenientes, sejam o Governo, os advogados e juízes, devem cumprir com os seus papeis”, concluiu.

“JUstiça MOROSA É UMA JUSTIÇA DENEGADA”

O presidente da República, Armando Guebuza, a quem coube o mérito da abertura do congresso da ordem, defendeu que “uma justiça morosa é uma justiça denegada”, numa clara aferição de que enquanto houver demora na resolução dos conflitos entre os cidadãos, isto será igual a dizer que estes cidadãos não beneficiam da justiça, como seria o desejável. Armando Guebuza disse ainda que, nas presidências abertas que tem efectuado, as reclamações da população sugerem-lhe a ausência de justiça em certos locais, chamando, assim, mãos à obra aos juízes e advogados presentes no congresso da Ordem dos Advogados. Por fim, o Chefe do Estado pediu aos advogados e pesquisadores a debater a importância do direito consuetudinário (tradicional), já que, em Moçambique, a maior parte da população vive nas zonas rurais e os seus conflitos são resolvidos tendo em conta os usos e costumes locais. Diz Guebuza que o direito, por vezes, deve ter os pés assentes no chão, tendo em conta o tipo de população que o país tem.