Politica Mandela “fintou” Chissano para encontrar-se com Afonso Dhlakama

Mandela “fintou” Chissano para encontrar-se com Afonso Dhlakama

O malogrado Nelson Mandela, aquando da sua visita a Moçambique por três dias na qualidade de presidente da África do Sul, “fintou” o antigo estadista moçambicano, Joaquim Chissano, para encontrar-se com o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, ora em parte incerta, segundo escreveu o semanário sul-africano “WeekendStar”, de 23-24 de Julho de 1994.

Mandela, falecido a sexta-feira passada e a ser enterrado no dia 15 próximo, pediu apoio protocolar a Chissano que tratasse de organizar o encontro com o líder da Renamo, mas o predecessor de Armando Guebuza considerou que o gesto de Mandela de encontrar-se com Dhlakama iria dar credibilidade indevida ao líder da Renamo, que desde 21 de Outubro passado está em parte incerta, depois das forças de defesa e segurança de Moçambique terem tomado Sadjundjira de assalto, o último domicílio do mesmo.
A tentativa de Mandela de se encontrar com Dhlakama esteve envolta numa situação de incerteza até que o malogrado decidiu avançar por sua iniciativa e meios, para se encontrar com Afonso Dhlakama. O que veio a consumar-se.

O interesse de Mandela em encontrar-se com Afonso Dhlakama não visava algo substancial, senão mostrar a sua neutralidade, quando faltavam cerca de dois meses para as primeiras eleições multipartidárias em Moçambique.

Depois do encontro que Mandela manteve com Dhlakama, numa casa de hóspedes oficial em Maputo, o malogrado afirmou que o líder da Renamo foi bastante cordial, que não lhe transpareceu um líder rebelde, mas de um aspirante banqueiro, pela forma como trajava e o seu aspecto então muito jovial. Dhlakama manifestou-se satisfeito pelo encontro, segundo disse na altura Mandela. “É muito bom que o Mandela concilia a minha pessoa e a de Joaquim Chissano, seguindo o mesmo processo de reconciliação nacional em curso na África do Sul”, palavras de Dhlakama para Mandela.

Na entrevista que na altura concedeu ao “WeekendStar” finalmente Mandela enalteceu a preocupação de Dhlakama com a paz e o comprometimento dele e de Chissano neste sentido.

Entretanto, o gesto de Mandela de encontrar-se com Dhlakama, sem a indiferença a que Chissano lhe aconselhava, só revelou a importância que o líder da Renamo tem para a democracia e a estabilização de Moçambique, diferentemente do ostracismo e a perseguição de que a administração Armando Guebuza lhe tem votado.

Neste momento Moçambique está mergulhado numa guerra civil, embora a administração Armando Guebuza considere que se trata de uma situação limitada à zona centro do país, particularmente a província de Sofala, local onde o Governo moçambicano concentra um efectivo de mais de cinco mil homens, entre militares das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) e Força de Intervenção Rápida (FIR).

Mandela foi um exemplo de reconciliação no mundo, pela sua atitude de aproximar-se ao inimigo para negociar.

O Executivo de Armando Guebuza tem adoptado por uma posição um tanto ou quanto contraditória, ao afirmar por discurso que pretende encontrar-se com Dhlakama, ao mesmo tempo que acciona todos os meios para o deter, como aconteceu no dia 21 de Outubro passado. O ataque de Sadjundjira surpreendeu o País e a comunidade internacional, pois que anteriormente ao mesmo Guebuza manifestara várias vezes a sua posição de encontrar-se com o líder da “perdiz”.

A ideia de Mandela de encontrar-se com Dhlakama talvez se explica pelo facto de Mandela também ter sido o responsável do braço armado do ANC (Umkhonto we Sizwe), que lutava contra um regime segregacionista. O percurso de Nelson Mandela não é semelhante ao de Dhlakama, mas coincidem nalguns pontos: a violência ou recurso a armas para a solução das diferenças, como o foi em 1976 quando aos seus 23 anos o líder da “perdiz” toma parte da guerrilha para lutar contra a política marxista comunista em Moçambique. No caso de Mandela, ele foi detido pelo facto em 1964, permaneceu na prisão até 1990.

Depois da independência de Moçambique todas as formas legais de expressar a oposição haviam sido proscritas por lei. Até 1976 pelo menos cinco mil moçambicanos estavam em várias cadeias nacionais por questões ideológicas. Diferentemente do Apartheid, que condenou Mandela à prisão perpétua, o regime de Samora Machel matou, entre outros, o seu maior adversário político, o reverendo Uria Simango, pai do edil da Beira e presidente do MDM, Daviz Simango.

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Dhlakama não é um ídolo à estatura de Mandela, mas dado o seu pragmatismo conquistou muitos seguidores no país. Tem dificuldade de canais para expressar-se ou fazer-se compreender (o Executivo de Guebuza tem a mão em todos os órgãos de comunicação públicos e alguns privados). Por exemplo, o foco principal da sua divergência actual com a Frelimo é o do pacote eleitoral, sobre o qual o líder da Renamo pede paridade entre os partidos representados no parlamento para a conseguir-se maior transparência e garantir a justeza de toda a democracia moçambicana.

Enquanto Mandela defendia que a legislação do regime racista tendia a favorecer a supremacia do regime racista sul-africano, Dhlakama defende que a actual lei eleitoral moçambicana favorece claramente a Frelimo, que tem se servido da sua musculatura na CNE, STAE, Polícia e SISE, para reduzir a Renamo e a posição à insignificância.
Para Dhlakama, num cenário como este em que o pacote eleitoral favorece claramente à Frelimo, a desvantagem da oposição será permanente e o partido no poder nunca sairá do poder. A Frelimo tem todo o protagonismo na organização de todo o processo eleitoral, num extremo que propicia a viciação de resultados como o enchimento de urnas, que em muitos casos precede da situação do partido no poder ser quem detém a maioria de elementos nos órgãos eleitorais como o STAE e a CNE, jogando a sua influência. De resto uma situação em que alguns partidos de oposição moçambicana contrários à irredutibilidade da Renamo neste ponto puderam testemunhar nas eleições autárquicas de 20 de Novembro passado.

A Frelimo alega de que uma paridade eleitoral é contrária à constituição do País, mas não se conhece nenhum artigo da constituição que atente contra a mesma.

A legislação portuguesa, sobre a qual os juristas moçambicanos se têm acercado, prevê paridade no sistema de organização dos órgãos eleitorais. A opacidade de visão que tem acompanhado o Executivo moçambicano e a intransigência de certa ala radical da Frelimo, é que tem propiciado a crise político-militar, tão ao alcance de ser resolvida.

Renamo nas “pegadas” do ANC ou da UNITA?

A semana passada o Primeiro-Ministro moçambicano, Alberto Vaquina, desafiou a ala política da Renamo, representada na Assembleia da República, a distanciar-se da ala militar. Em termos de acção, o discurso de Vaquina não representa mais do que um ensaio do regime, um aviso à navegação, havendo sinais de que está em curso o mecanismo no sentido de ilegalizar a Renamo, sob alegação de violência armada.

Em 1960 o ANC foi ilegalizado pelo “Apartheid” por ser um partido armado. Uma ilegalização da Renamo propiciaria no que se consideraria fim da Renamo como partido político e consequentemente a dissolução do mesmo, isolando a ala militar, cujo rosto visível é o Afonso Dhlakama e os seus generais, que fizeram a guerra dos 16 anos.
Quando o regime do ANC ilegalizou o ANC os elementos da organização, que não tinha assento no parlamento repentinamente racista, passaram à clandestinidade.

Não se sabe se a ala política da Renamo estará disposta a correr o mesmo risco, já que muitos dos 90 deputados da “perdiz” têm o parlamento como sua fonte de subsistência.

A UNITA conheceu uma cisão quando a ala militar encabeçada por Jonas Savimbi decidiu retomar a luta.

Os contornos da crise político-militar moçambicana têm um forte ponto de inflexão, ou inspiração, no modelo angolano.

Em caso do Governo de Guebuza avançar com a ilegalização, da parte da Renamo, o desfecho será imprevisível. Todavia, em consequência, a democracia moçambicana poderá conhecer um revés de cerca de 25 anos e a unidade nacional poderá ficar seriamente ameaçada.