As atenções na capital ucraniana mantêm-se centradas na rebelião protagonizada pelo patrão do grupo Wagner Yevgeny Prigozhin, no passado fim de semana.
Kiev está expectante com as consequências para Vladimir Putin e a condução da guerra na Ucrânia.
A rebelião na Rússia reforçou a ideia, em Kiev, de que o tempo de Putin como presidente da Rússia se está a esgotar.
“Penso que a contagem decrescente já começou”, afirmou Andriy Yermak, o conselheiro mais próximo do presidente Zelensky.
Numa conferência de imprensa em Kiev, Yermak recordou o ano em que a Rússia invadiu a Ucrânia pela primeira vez, anexando a Península da Ucrânia.
“O que a Ucrânia tem visto desde 2014 tornou-se evidente para o mundo inteiro. A Rússia é um país terrorista cujo líder é uma pessoa inadequada que perdeu a realidade. O mundo tem de concluir que é impossível ter qualquer tipo de relação séria com este país”, acrescentou Yermak.
Os altos funcionários ucranianos que falaram com Jeremy Bowen, correspondente da BBC em Kiev, argumentaram que Putin não poderia sobreviver a uma catastrófica perda de autoridade.
Uma perda de autoridade que começou com a decisão desastrosa de invadir a Ucrânia em grande escala a 24 de fevereiro de 2022. A rebelião do grupo Wagner e a denúncia de Prigozhin das justificações do Kremlin para a invasão eliminaram as últimas possibilidades de Putin se aguentar.
“O regime de Putin já não pode ser salvo”, afirmou um dos altos funcionários de Kiev.
Jeremy Bowen recorda que “os responsáveis ucranianos travaram uma guerra mediática inteligente e são extremamente coerentes nas mensagens que transmitem ao próprio povo e aos aliados ocidentais, bem como aos inimigos de Moscovo”.Para o correspondente da BBC na capital ucraniana, “não há dúvida de que Putin está a enfrentar o mais sério desafio à sua autoridade desde que se tornou presidente em 2000”.
Oleksiy Danilov, secretário do Conselho de Segurança e Defesa Nacional da Ucrânia, afirmou à BBC que “Prigozhin não é o mais conceituado”
Danilov considera que entre os mais preparados estão as forças de segurança, funcionários e representantes dos oligarcas russos, que acreditam que a decisão de Putin de lançar a invasão da Ucrânia foi um desastre pessoal e uma ameaça para a Rússia.
“Não estou a especular. Sabemos quem são essas pessoas e conhecemos as suas vidas”, sustentou Danilov quando questionado sobre as provas que da sua análise.
Já Mykhailo Podolyak, outro conselheiro próximo de Zelensky, concordou que existem “vários grupos de pessoas que querem tomar o poder na Rússia”.
“O sistema construído por Putin está a ser substituído por um quase vazio no centro poder”, considerou Podolyak.
Outro alto funcionário, que falou com a BBC sob condição de não ser identificado, foi mais longe, sugerindo que Putin seria forçado a demitir o seu ministro da Defesa Sergei Shoigu e o chefe do Estado-Maior Valery Gerasimov, talvez como resposta a outro revés militar.
No entanto, a demissão de Shoigu e Gerasimov foi uma das principais exigências do líder da Wagner.
“Prigozhin vai conseguir o que queria”, previu o funcionário. “A sua vida política não está terminada. Não vai ficar no exílio na Bielorrússia”.
Em relação à ofensiva na Ucrânia, Podolyak considerou que a rebelião preconizada pelo grupo Wagner não durou o suficiente para influenciar os combates ao longo de uma frente de 1.800 quilómetros, a mais longa em qualquer guerra desde 1945.
De acordo com Jeremy Bowen, “é claro para o observador mais desapaixonado da guerra que a Ucrânia está a combater duramente e a sofrer baixas em tropas e equipamento, incluindo os blindados fornecidos pela NATO”.
Os ucranianos continuam a fazer o melhor para gerir as expectativas em relação à ofensiva durante o verão. Há quem acredite que os alguns aliados ficaram demasiado entusiasmados com o exército ucraniano e o equipamento da NATO.
Alguns oficiais ucranianos reconheceram o receio que faz com que os líderes ocidentais passem noites em claro, ou seja, que um colapso público do regime do presidente Putin possa conduzir a um perigo real, uma vez que os possíveis sucessores disputam o poder num Estado com o maior arsenal de armas nucleares do mundo.
Zelensky e os seus conselheiros esperam que a cimeira da NATO, que vai decorrer em julho na Lituânia, abra um caminho inequívoco para a adesão do país à Aliança Atlântica.
No entanto, a incerteza que rodeia o presidente Putin e o seu regime, quase ano e meio depois de uma guerra desastrosa e após a rebelião do grupo Wagner, pode alimentar a ansiedade dos países da NATO que prefeririam que o conflito terminasse à mesa das negociações e não no campo de batalha.