Ao exigir paridade nos órgãos eleitorais como um dos principais pontos das suas propostas sobre a revisão da Lei Eleitoral, a Renamo pretende reverter à situação de 1994, em que somente o Governo e o maior partido da oposição no país é que dominavam a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e os seus órgãos de apoio.
O facto foi revelado ontem pelo chefe da delegação do Governo ao diálogo com a Renamo, José Pacheco, falando em conferência de Imprensa momentos após a conclusão da 10ª ronda.
“A Renamo concebe uma paridade equivalente à de 1994. Só entravam em paridade só o Governo e a Renamo. Pretende excluir o MDM”, explicou José Pacheco, acrescentando que no nosso entender do Governo, o MDM é um partido com assento no Parlamento e, por isso, deveria fazer parte integrante da paridade.
Disse que não obstante a formação política liderada por Afonso Dhlakama entender que a paridade deve ser só entre ela e o partido Frelimo, o Governo acha por bem que as questões que levanta sobre a Lei Eleitoral devem ser depositadas na Assembleia da República, órgão que, no quadro do princípio da separação de poderes, irá analisar e deliberar sobre o assunto.
A Renamo insiste em que o documento contendo as propostas por ela colocadas à mesa do diálogo sobre a revisão da legislação eleitoral deve ser adoptado pelas partes e submetido à Assembleia da República para somente carimbá-las. O chefe da delegação governamental já esclareceu em diversas ocasiões que aquele fórum (de diálogo) não era competente para impor ao Parlamento a chancela das propostas da Renamo, à luz do princípio de separação de poderes.
“Jamais a Assembleia estaria disposta a homologar ordens inconstitucionais. As condições de eleições multipartidárias de 1994 era aquelas que advinham de um processo de assinatura do Acordo Geral de Paz, conteúdo que foi transferido para a Constituição da República de Moçambique e demais legislação”, disse.
Explicou que hoje, num processo multipartidário e de aprofundamento da democracia, existe um Parlamento que não é dominada somente pela Frelimo e Renamo. Disse que apesar de violar o quadro legal actual, o Executivo achou por bem remeter em sede própria (Parlamento) as propostas da Renamo para que as partes competentes (as três bancadas) possam deliberar sobre a matéria.
Entretanto, José Pacheco disse que o Governo levava como pontos (de insistência) à 10ª ronda de diálogo a necessidade de desarmamento da Renamo, a disponibilidade do Presidente da República, Armando Guebuza, em se encontrar com Afonso Dhlakama na cidade de Maputo e, como prática prescrita nos termos de referência, a necessidade de assinatura das actas pendentes, nomeadamente da quinta, sexta, sétima e oitava actas, para daí se prosseguir com a discussão de outros pontos da agenda.
Afirmou que a delegação da Renamo ensaiou ignorar a questão do desarmamento e do diálogo ao mais alto nível.
“Fizemos recordar o interesse que tínhamos de ouvir da parte da Renamo o seu posicionamento em volta destas matérias. Acabaram reafirmando o interesse de ver esses assuntos, no caso de desarmamento, a ser tratado quando falarmos das forças de defesa e segurança. Sobre a preparação do diálogo ao mais alto nível, a Renamo diz que não tem mandato para esse efeito”, disse, acrescentando que sobre as actas, a delegação do maior partido da oposição ao diálogo com o Governo insiste em não assiná-las, mesmo aquelas em que há consenso das partes.
José Pacheco revelou que a Renamo condiciona a assinatura da acta cinco e seis (relativas à Lei Eleitoral), onde nas conclusões não há consenso. No entender da equipa do Executivo, as actas reflectem o que cada parte disse. A figura de acta está prevista nos termos de referência acordados, cujo espírito e letra estabelecem o que cada interveniente diz no diálogo.
Em jeito de observância a procedimentos, afirmou, o Governo assinou, unilateralmente, a quinta, a sexta, sétima e oitava actas, colocando à disposição da Renamo a pertinência da sua assinatura por parte do Executivo.
“A Renamo recusou assinar as actas. Nós remetemos uma nota dizendo que as actas foram assinadas pelo Governo, a Renamo escusou-se de assinar, porque não concorda com as conclusões da quinta e sexta acta. Vimos uma Renamo a dizer que não faz parte dos procedimentos haver assinatura unilateral das actas, mas nós fizemo-lo porque os conteúdos que estão lá, nossos e deles, conferem com aquilo que foi tratado ao longo do diálogo”, indicou.
O chefe da equipa governamental esclareceu que a acta não tem força de lei, mas sim de responsabilidade de ambas partes sobre as matérias tratadas no diálogo. A acta é um sustentáculo para decisões de outros fóruns, como é a sede de produção de leis no país – o Parlamento.
O desencontro entre as partes na quinta e sexta ronda, respectivamente, tem a ver, fundamentalmente, com o facto de que a Renamo pretender que as partes em diálogo produzam a revisão do pacote eleitoral e que a Assembleia da República carimbe, como se o fórum do diálogo estivesse acima da Constituição da República e das leis, segundo deu a conhecer José Pacheco.
“Pretender que este diálogo ordene a Assembleia é contra todo o quadro jurídico moçambicano”, disse.
José Pacheco disse que o Governo está disponível a começar o tratamento de outras questões previamente agendadas.
Encontro PR e Dhlakama
José Pacheco afirmou que o Governo vai continuar a insistir a importância que há de se preparar o encontro entre o Presidente da República e o líder da Renamo, para o desanuviamento da tensão política no país, ocasionada pelos ataques na região centro do país.
“Nós como delegação do Governo, temos mandato do Chefe do Estado para preparar essa reunião. Se a Renamo embarcar, vamos preparar. Se a Renamo não quiser, esperamos que um dia sinta o interesse e a pertinência de prepararmos esta reunião sem impedimento para que o diálogo possa prosseguir tratando das diferentes matérias previamente acordadas”, disse.
Acrescentou que o Governo vai mais uma vez convidar a Renamo para se voltar à mesa do diálogo, na perspectiva de ver superado o impasse que se verifica.
“Vamos continuar a dialogar para ir acertando posições que levem à consolidação da unidade e independência nacional, ao aprofundamento da paz e a observância do princípio de uma convivência democrática para levarmos a bom porto este nosso Moçambique”, indicou.
Renamo continua a condicionar
A Renamo continua a condicionar o passo seguinte da discussão da agenda do diálogo político em curso à adopção conjunta do documento contendo as suas propostas sobre a revisão da legislação eleitoral para posterior remessa à Assembleia da República. O maior partido da oposição no país também continua a condicionar a realização do encontro entre o Presidente da República, Armando Guebuza, e o seu líder, Afonso Dhlakama, à retirada das forças de defesa e segurança que se encontram estacionadas em Satungira, em Gorongosa, ou caso isso não aconteça, que o mesmo tenha lugar na sede daquele distrito.
O chefe da delegação da Renamo ao diálogo, Saimone Macuiana, disse que o Governo insiste em não aceitar a adopção dos documentos já apresentados. Reiterou a necessidade de que os pontos a serem levados à Assembleia da República sejam adoptados pelas partes.
“A forma como o Governo está a comportar-se no diálogo revela falta de seriedade, pois nas últimas quatro rondas do diálogo nós fizemos cedências na expectativa de que o Governo também iria aceitar aquilo que é o principal. De várias cedências que nós fizemos, inclui a possibilidade da propositura para a Assembleia da República, uma vez adoptados os pontos pelas partes”, disse.
Saimone Macuiana afirmou que se o Governo concorda em que os pontos são claros, relevantes, pertinentes, oportunos e urgente, então não deve mostrar dificuldade em adoptá-los.
Disse que se o Executivo assinou de forma unilateral as actas, tal viola os termos de referência, pois elas devem ser adoptadas pelas partes.
“Não concordando com esta proposta (de adopção conjunta do documento), não há, até aqui, a possibilidade de avançarmos para nenhum outro ponto senão concluir o ponto relativo à legislação eleitoral”, disse.
Sobre a paridade nos órgãos eleitorais, Saimone Macuiana explicou que a Renamo não quer que a bancada da Frelimo na Assembleia da República use a maioria parlamentar para ter um número superior de membros na Comissão Nacional de Eleições em relação aos demais partidos.
O chefe da delegação da Renamo à mesa do diálogo defendeu que as partes devem encontrar consensos visando a realização de eleições livres, justas e transparentes, manutenção da paz e estabilidade do país.
Jornal Notícias