Segundo aquele académico e constitucionalista, a futura lei-mãe do país deverá consagrar o direito de o cidadão, por exemplo, participar no processo de tomada de decisão política. Para além disso, deverá também plasmar o reforço do poder judicial que, segundo afirmou, é extremamente fraco, em termos de recursos de que dispõe.
Cistac opinou também que a lei primeira nacional deveria consagrar a proibição dos magistrados de pertencerem a uma determinada formação político-partidária, a dignidade da pessoa humana, a fiscalização preventiva abstracta da lei perante o Tribunal Constitucional (Conselho Constitucional) e aprofundar o processo de descentralização.
A palestra foi promovida pelo departamento de ciências jurídicas da Universidade Politécnica e foi moderada pelo prof. Doutor António Caetano Lourenço, com a participação de estudantes daquele curso e da Vice-Reitora, Maria Inês Nogueira. Segundo afirmou Maria Inês Nogueira, o debate sobre a Constituição da República é fundamental porque “cobre a todos nós”. “É dela que derivam todas as outras leis”, disse.
Sobre a pertinência ou não da revisão da Constituição da República, Gilles Cistac disse que rever a Constituição é sempre pertinente, em função da evolução da sociedade.
O segundo aspecto levantado pelo orador tem a ver com a qualidade do conteúdo da revisão que se pretende. Sobre o historial da revisão da Constituição, Gilles Cistac disse que o processo iniciou em 2009, com o debate sobre se o Presidente da República devia ou não ter o terceiro mandato, numa ideia lançada pela Organização da Mulher Moçambicana (OMM).
Segundo afirmou, dentro do partido no poder, havia uma certa resistência sobre se o Presidente da República devia ou não se candidatar ao terceiro mandato, destacando, porém, que o Presidente da República disse, na altura, que havia de cumprir a lei.
Afirmou que, por experiência que detinha, antigos chefes de Estado de alguns países (africanos) sempre manifestaram a sua disponibilidade de não se recandidatar ao terceiro mandato, a menos que o povo assim o quisesse.
Desde 2010, segundo Gilles Cistac, a academia moçambicana propôs-se a elaborar um projecto de revisão constitucional, antes mesmo de o proponente (partido Frelimo) avançar com a ideia. Disse que só depois é que a formação política no poder reagiu, defendendo a ideia de que a revisão visava, entre outros aspectos, a reforma da Lei Eleitoral e o sistema de governação.
“O proponente defendia a ideia de que a revisão tinha como objectivo aprimorar a constituição e que não seria profunda”, disse, acrescentando que, em face do anúncio, algumas vozes da sociedade civil manifestaram-se a favor da realização dum referendo.
Em função do debate, afirmou, a Assembleia da República criou a comissão “Ad Hoc” de revisão, da qual a Renamo se apartou, o que, segundo Gilles Cistac, de certo modo, retira a legitimidade ao objectivo pelo qual foi mandatada.
Na opinião do académico, a comissão da Assembleia da República pode ser legitimada, se houver diálogo com a sociedade civil, e um dos caminhos seria, exactamente, a integração dos seus elementos no órgão.
Em 2012, disse, o projecto de revisão da Constituição devia ter sido divulgado para conhecimento e domínio público. Afirmou que em Fevereiro do presente ano foi lançado o debate público que, na sua opinião, não é público.
Segundo Gilles Cistac, a revisão da Constituição não pode ser automática, apesar de, como prática, a mesma acontecer de cinco em cinco anos.
Disse que a proposta da Frelimo pode ser entendida como meramente “cosmética”, sobretudo quando se olhar para, por exemplo, as competências do Conselho Constitucional que são as mesmas do tribunal constitucional. O Tribunal Administrativo passará a ter outra designação, mas as suas competências serão intangíveis.
Gilles Cistac questionou a profundeza da revisão da Constituição da República, sem que diferentes segmentos da sociedade civil assim o defendam. Frisou que o debate público pode não o ser, se as pessoas que podem ser envolvidas não conhecem o objecto e se o mesmo acontece aos sábados e muito menos se os promotores não forem juristas.
“A comissão “Ad Hoc” só faz o levantamento sistemático das reacções, ma não há debate”, observou, acrescentando que ele próprio já foi testemunha disso. Disse que mesmo as mesas redondas promovidas via televisão não podem ser consideradas debate público, porque o assunto não é do conhecimento do cidadão.
Se a revisão da Constituição não for profunda, disse, significará que uma boa parte das propostas da sociedade civil terá de “aguardar”.