O embaixador francês em Moçambique disse hoje que a França está a aguardar impacientemente o esclarecimento do assassínio do constitucionalista franco-moçambicano Gilles Cistac, no ano passado em Maputo, considerando indispensável a explicação dos motivos do homicídio.
“A França aguarda impacientemente os resultados da investigação”, disse Bruno Clerc, falando durante uma cerimónia de atribuição do nome de Gilles Cistac à biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, a maior do país.
Gilles Cistac foi morto a tiro por desconhecidos a 03 de Março de 2015, quando saía de um café no centro da capital moçambicana.
Passado um ano após o assassínio de Cistac, o caso continua ainda sem esclarecimento e as autoridades policiais moçambicanas dizem que as investigações continuam.
Nos últimos anos da sua vida, Cistac notabilizou-se por defender teses embaraçosas para o partido no poder em Moçambique, a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), a última das quais dando argumentos jurídicos à exigência da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), principal força de oposição, de criação de províncias autónomas.
Classificando o assassínio de “cobarde e odioso”, o diplomata francês disse que, um ano depois do homicídio, é indispensável a identificação dos autores do crime, considerando que a coragem de defender os seus ideais e o respeito pela Constituição da República fizeram de Cistac uma pessoa detestada em alguns círculos.
“Quem pode seriamente crer que este assassínio não está ligado às ideias que ele exprimia com tanta convicção“, questionou o diplomata francês, acrescentando que as pessoas que “tanto o criticaram e detestaram” devido às suas ideias têm, pelo menos, a responsabilidade moral pelo seu assassínio.
“Espero mesmo que a investigação levada a cabo pelas autoridades moçambicanas permita esclarecer estes pontos“, reiterou o embaixador francês, considerando ser indispensável a explicação dos motivos do homicídio para fazer homenagem ao constitucionalista.
Por seu turno, o membro do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e presidente do Município de Quelimane, Manuel de Araújo, disse à Lusa que, a ser provado que a causa do homicídio está ligada às suas convicções ideológicas, o assassínio de Cistac constitui mais uma mancha no quadro da liberdade de expressão em Moçambique, num momento em que a imagem do país é abalada pela intolerância política, causa principal do atual conflito armado que o país vive.
“A resolução deste caso é mais uma das várias promessas do Presidente [Filipe] Nyusi, que não foram cumpridas“, observou o influente autarca moçambicano, acrescentando que é o momento de se exigir mais meios e pessoas capacitadas para o rápido esclarecimento do caso.
Nascido em Toulouse, na França, em 1961, Gilles Cistac vivia em Moçambique desde 1993.
Foi assessor no Tribunal Administrativo moçambicano e nos ministérios do Trabalho e do Turismo.
No campo académico, foi director adjunto para a investigação e expansão na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, onde também leccionou as cadeiras de Direito Constitucional e Direito Administrativo.
Pouco antes da sua morte, provocou um vendaval jurídico e político, quando afirmou que a exigência da Renamo de criação de regiões autónomas, para poder governar nas províncias onde ganhou nas eleições gerais de 15 de Outubro de 2014, teria cobertura constitucional, se o movimento substituísse a exigência de “regiões autónomas” por “províncias autónomas”.
Atento a este pensamento jurídico, o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, passou a exigir a criação de províncias autónomas, abandonando a referência a regiões autónomas.
Em 2012, o Governo moçambicano recusou o nome de Gilles Cistac, proposto pela sociedade civil, para juiz do Tribunal Africano dos Direitos Humanos, tendo apresentado em seu lugar um procurador-geral-adjunto que não preenchia todos os requisitos para o cargo.
Em homenagem ao constitucionalista, a biblioteca da faculdade de direito da Universidade Eduardo Mondlane passa a ostentar o nome de Gilles Cistac e, em seu nome, foi plantada uma palmeira no centro da instituição, um simbolismo que alude à fertilidade e duração do seu legado.
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