Nelson Mandela, ex-presidente da República da África do Sul e Prémio Nobel da Paz, morreu, esta quinta-feira, na sua casa em Joanesburgo, após uma prolongada infecção pulmonar, anunciou o actual presidente sul-africano, Jacob Zuma. Tinha 95 anos e lutou até onde conseguiu pela vida.
“Caros cidadãos sul-africanos, o nosso amado Nelson Rohlihla Mandela, o presidente fundador da nossa democrática nação, partiu”, declarou Jacob Zuma. “Ele faleceu em paz no conforto da sua casa”, acrescentou.
Numa declaração transmitida pela televisão, quando eram 21.45 horas de quinta-feira em Portugal continental, o presidente sul-africano indicou que o primeiro presidente negro da África do Sul terá um funeral de Estado, cuja data é ainda desconhecida, e ordenou que as bandeiras sejam colocadas a meia-haste em sinal de luto.
Um plano interno de atuação após a morte de Mandela revelado pela imprensa há meses dava conta de um cerimonial de 12 dias. Pelo menos três dias de luto deverão ser reservados à família de Mandela, casado com a moçambicana Graça Machel.
Tudo indica que Mandela venha a ser enterrado em Qunu, pequena aldeia vizinha de Mveso, onde nasceu, mas só depois da despedida pública, a que o povo terá acesso.
Uma vida pela liberdade e democracia
Depois de ter estado quase três décadas na prisão, Nelson Mandela – ou Madiba, o nome tribal pelo qual era conhecido no seu país – tinha já 71 anos quando foi libertado.
Era então o preso político mais famoso do Mundo e tornava-se, conforme então se disse, a Grande Esperança Negra da África do Sul. Todavia, apesar de ter um nome conhecido mundialmente, só um reduzido número de pessoas – companheiros de prisão, a segunda mulher (Winnie) e um punhado de amigos leais – sabia muito mais do que isso.
Aliás, ao conceder a liberdade a Mandela, o último presidente branco da África do Sul, Frederik W. de Klerk – que contribuiu para o derrube do regime de “apartheid” (política feroz de segregação racial do país) – limitou-se a dizer com algum embaraço: “É um homem de idade, um homem digno e um homem cativante”.
Narrando e comentando esse momento histórico, a revista norte-americana “Newsweek” recordava então que, ao lado do presidente sul-africano, estava o líder negro, com o cabelo grisalho e o rosto profundamente sulcado pelas rugas. Depois de ouvir as palavras do presidente, Mandela esboçou um sorriso como se dissesse a F. W. de Klerk: “Vamos agora ver quem manda”.
Mandela sabia que a sua luta não tinha terminado. As leis do “apartheid” continuavam a sonegar aos negros o direito ao voto, ao acesso à qualidade da educação, à habitação, ao trabalho, às praias, aos parques, aos hotéis, aos restaurantes e aos locais públicos, que os brancos reservavam zelosamente – e frequentemente de forma brutal – apenas para eles próprios.
O país, destroçado também pelos confrontos entre negros de dois partidos políticos, estava à beira do caos. Mandela, apesar de desconfiar que esse conflito era estimulado por F. W. de Klerk e pelo regime de minoria branca, também estava ciente de que era seu dever conseguir, simultaneamente, convencer os seus sequazes de que não tinha renunciado aos ideais políticos, e provar aos puros e duros do regime, sobretudo os militares, que não corriam perigo de represálias.
Em 1985, quando o antigo presidente sul-africano Pieter W. Botha se propusera negociar com ele a liberdade condicional, Nelson Mandela rejeitou a oferta com a célebre mensagem ao seu povo: “Não posso vender o meu direito de nascimento. Só homens livres podem negociar (…)”.
Cinco anos depois, ao lado de F. W. de Klerk, ele era um homem livre, pronto a negociar. E, em 1993, partilhava já com o presidente sul-africano o Prémio Nobel da Paz, pelos esforços desenvolvidos no sentido de se pôr termo ao regime de segregação racial, e por se terem estabelecido as bases de uma nova África do Sul democrática.
Depois, em 10 de Maio do ano seguinte, Nelson Mandela tornou-se ele próprio presidente da África do Sul, naquelas que foram as primeira eleições multirraciais do país. Terminado o mandato presidencial, em 1999, Mandela decidiu abraçar várias causa sociais e de defesa de direitos humanos.
Cinco anos mais tarde, ao completar 85 anos, o homem que foi cognominado a Esperança Negra da África do Sul anunciou formalmente que se retiraria da vida pública – na verdade, continuou sempre presente -, e o seu estatuto de ex-prisioneiro político, o prestígio da sua vida cívica exemplar e a enorme dimensão da sua luta épica pela defesa dos direitos humanos mantiveram-no em guarda como uma das consciências morais do Mundo.