Nacional INSS paga 25 milhões por material que custa 5 vezes menos

INSS paga 25 milhões por material que custa 5 vezes menos

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Numa altura em que o discurso do Governo está centrado na necessidade de contenção de gastos, com os principais doadores do Estado moçambicano sob fortes restrições financeiras, o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) vai gastar mais de 25 milhões de meticais, cerca de 862 mil dólares norte-americanos, na aquisição de diverso material de propaganda, constituído por brochuras, panfletos, cartazes, folhetos, bandeiras, cartões de visita, chaveiros, blocos de nota e esferográficas.

Para o feito, o INSS contratou, através de concurso público, a empresa Mtuzi Investimentos, Lda, que se vai encarregar da produção de todos os  materiais.  Para a produção dos materiais, o INSS lançou um concurso em Novembro do ano passado e, na altura, apareceram seis empresas interessadas, a Horizon Marketing e Serviços, Lda., F. Madeira Produções, Lda., Dzengo, Lda., SGL e Tipografia Globo, Lda. No concurso, participou ainda a Mtuzi Investimentos, Lda.

Os valores apresentados ao INSS pela maioria das empresas foram bastante semelhantes, à excepção da Mtuzi Investimentos, Lda, que concorreu com valores, em média, cinco vezes superiores à concorrência.

Ainda assim, foi precisamente esta a proposta seleccionada pela entidade pública. Ao todo, a produção do material de propaganda custará 25 314 974,10 meticais com IVA. Uma consulta feita pelo “O País” a três empresas do mesmo ramo, que não participaram no concurso, indica-nos que por cinco milhões de meticais seria suficiente pagar o material adjudicado por 25 milhões pelo INSS.
INSS diz que está tudo bem
Em reacção a este facto, o INSS diz que os fundamentos da decisão tiveram em conta não apenas o menor preço, mas sim um critério conjugado, o que implicou a “análise da qualidade das amostras; a sua proposta financeira e seu pessoal técnico”. O INSS acrescenta que “o presente processo de contratação foi conduzido de acordo com todos os procedimentos e ditames da lei e dos regulamentos que a conformam”.
o INSS diz ainda que, no final do concurso, estavam bem posicionadas duas empresas, a Horizon Marketing e Serviços, Lda e a Mtuzi Investimentos, Lda., ainda que ambas as mais caras. Todas as outras ficaram desde logo excluídas com a justificação de falta de qualidade e não cumprimento das especificações. “O concorrente que apresenta menor preço deve ao mesmo tempo garantir a realização do interesse público subjacente o que, para o caso do concurso em apreço, não seria possível por ter apresentado amostras que não estavam de acordo com as especificações dos documentos do concurso, para além de apresentar uma qualificação técnica muito fraca”.
Na abertura das propostas, prossegue o comunicado do INSS, as restantes concorrentes acabaram por ficar excluídas por motivos técnicos, donde a decisão do INSS teria de pender para uma das duas, Horizon ou Mtuzi. Mas a Horizon não apresentava o valor global da proposta, apenas o total de valores unitários. É então que o  INSS recorre à fase de saneamento, convidando ambas as empresas a apresentar novos preços. Desta vez, a Horizon apresenta um valor ainda mais elevado do que a Mtuzi, abrindo assim caminho a esta última, com um valor de 25 314 974,10 meticais, que acabou por ganhar o concurso: “No caso, foi a Mtuzi Investimentos, Lda, por ter apresentado uma proposta mais baixa relativamente à Horizon Marketing e Serviços Lda”, conclui o INSS, no seu comunicado.

O que diz a lei?
Todos os concursos públicos para o fornecimento de bens e serviços no Estado regem-se pelo Regulamento de Contratação de Empreitada de Obras Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado, aprovado pelo Decreto número 15/2010, de 24 de Maio.
O artigo 35 atinente aos Critérios de Avaliação e Decisão do referido Regulamento determina, no seu número 1, o seguinte: “A contratação de empreitada de obra, fornecimento de bens e prestação de serviços deve ser decidida com base no critério de menor preço.”
No seu número 2, acrescenta que: “Excepcionalmente, não sendo viável decidir com base no critério de menor preço, a entidade contratante pode fazê-lo com base em critério conjugado de avaliação técnica e no preço, fundamentado”.
Quer isto dizer que o legislador determina o menor preço como o primeiro critério de selecção das propostas vencedoras e apenas em situações excepcionais a lei permite que se faça a conjugação do preço com a qualidade como critérios de escolha.

Uma questão moral
O problema é que este caso não se esgota na legalidade. O INSS é uma entidade pública de previdência social criada pelo Governo moçambicano em 1988 com objectivo de garantir a subsistência material dos trabalhadores nos casos de doença, velhice, diminuição material dos trabalhadores nos casos de doença, velhice, diminuição das capacidades para o trabalho e sobrevivência dos seus familiares.  Quer isto dizer que o INSS vive das contribuições dos trabalhadores moçambicanos e deve, na sua orientação, pautar por uma rigorosa e eficiente administração financeira, austeridade e sobriedade nos gastos.

Não é o que parece ter sucedido, neste caso. Com argumento de melhor qualidade, preferiu-se  pagar material muito mais caro.
 Na verdade, não é a primeira vez que o INSS investe valores muito altos na contratação de bens e serviços. No início deste ano, aquela instituição pública estava a negociar a aquisição de uma residência para o seu PCA, Inocêncio Matavele, por valores a rondar o milhão de dólares. O processo só não foi adiante porque, entretanto, a instituição foi vítima de burla, após ter pago os primeiros 100 mil dólares de sinal.
O PCA do INSS chegou a dizer, em Março deste ano, num seminário organizado para jornalistas, que “O INSS é uma instituição pública de natureza eminentemente social, pelo que, para o alcance dos objectivos do sistema, é necessário que tanto os utentes assim como a sociedade estejam devidamente informados sobre os seus direitos assim como a maneira como o INSS não só protege esses direitos, mas, sobretudo, como exerce uma gestão eficiente dos recursos que servem para garantir os mesmos direitos”.

E isto sucede numa altura em que o INSS ainda não acertou o compasso na publicação anual das suas contas, como determina a lei. Com efeito, só em Outubro do ano passado (2011) é que conseguiu publicar as contas de  2009.

E mesmo essas contas deram muito pano para manga. A Ernst & Young, na qualidade de auditor, revelou, no seu relatório, que as contas do INSS de 2009 apresentavam uma série de problemas contabilísticos: “Identificámos uma diferença não conciliada (ao menos na contabilidade), no montante de 1 378 708 779 meticais, entre aquele sector e os saldos contabilísticos, relativa essencialmente a itens que transitam de anos anteriores pendentes da conciliação, para os quais o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) ainda não terminou a análise conducente à sua explicação e eventual regularização”.

Mais: o mesmo relatório dizia que se apurara a existência de uma outra diferença não conciliada, no valor de 68 360 643 Mt na contabilidade, entre o saldo dos devedores contribuintes relevados nas demonstrações financeiras de 2009 (que ascende a 260 352 443 Mt) e os saldos constantes das listagens individuais dos contribuintes, preparadas pelo sector de controlo de Contas Correntes. E o INSS “não dispõe de um mapa que permita a estratificação das dívidas dos contribuintes por antiguidade, que permita uma análise mais detalhada da recuperabilidade dos saldos devidos por estes”.
 Face à situação, a Ernst &Young disse que não estava em condições de avaliar sobre a razoabilidade dos saldos divulgados nas demonstrações financeiras, a título de contribuintes e contribuições adicionais, nem sobre a necessidade da constituição ou não de eventuais provisões para cobertura do risco de recuperabilidade apresentada pelos anteriores saldos.