Sociedade Ataques: “Se me apanhavam, degolavam-me logo como um cabrito”

Ataques: “Se me apanhavam, degolavam-me logo como um cabrito”

“Ainda tenho medo. Aqueles, se me apanhavam, degolavam-me logo como um cabrito. Eu vi uma pessoa degolada na aldeia vizinha, que depois enterrámos”, conta à Lusa no tom próprio de quem tão depressa não esquece o que viu.

Hoje, o antigo carpinteiro de Quissanga é um dos 10.000 deslocados dos campos de acomodação onde estão instaladas centenas de tendas, em Metuge, junto à capital provincial, Pemba.

Chegou após “três dias escondido no mato, sem comer”, tal como aconteceu com o tio, Luís Rubano, 65 anos, camponês.

“Fugimos por causa da guerra de ‘al-shabab’ e não sabemos quem é o autor”, descreveu à Lusa, recorrendo à expressão popular usada na região para denominar os agressores e a sua aparente afiliação ao extremismo islâmico, num conflito cuja verdadeira origem ainda está sob debate.

“Vimos a guerra, vimos sim senhor. Quando o inimigo chegou, começou a incendiar as nossas casas. Fugimos para o mato e depois para Metuge”, conta.

A fuga já passou, os receios continuam.

“Temos medo. Vimos com os nossos olhos, não foi uma coisa contada. Por isso, cada vez mais temos medo”, mesmo agora, numa zona de acolhimento de deslocados, com vista para a capital da província, do outro lado da baía de Pemba.

Alexandre Langa, 68 anos, chega-se à frente para explicar que foi um jovem combatente “na guerra da libertação” contra o regime colonial português e diz que esta “é uma guerra diferente”.

“É difícil porque agarram numa pessoa e cortam o pescoço. Nós não temos armas” e por isso resta o medo.

“Eu vi o que eles fazem. Amarram pessoa e cortam-nas”, acrescenta Mondlane Abudo, 45 anos, outro deslocado do distrito de Quissanga, cuja vila sede foi atacada no final de março numa violenta incursão que levou ao abandono quase completo da povoação costeira.

Um cunhado e um sobrinho foram mortos Mondlane Abudo na noite da invasão.

Para quem sai de Pemba em direção às zonas atacadas, a sede do distrito de Metuge é uma espécie de último posto seguro no território massacrado de Cabo Delgado.

Durante o dia circula-se até Metuge com normalidade e a vida flui como habitual com a população à beira da estrada, caminhando para as suas rotinas ou a animar o comércio informal com dezenas de bancas onde se vende de tudo sob o pó da estrada de terra batida.

“Aqui em Metuge estamos seguros. Ainda não tivemos nenhum susto. Estamos seguros”, garante o administrador do distrito, António Valério.

Mas dali para norte, avançar é um risco.

“Se caminharmos daqui para o norte, podemos ver que as aldeias estão vazias. A maior parte da população ficou em perigo e encontrou lugar seguro em Metuge”, refere aquele dirigente local.

A esperança é de que a situação melhore para que “as populações deslocadas consigam regressar às suas aldeias e se empenhem na produção”, voltando aos campos onde deixaram milho e outros produtos por colher “para que se possam sustentar”.

Os ataques de grupos armados insurgentes que irromperam no norte de Moçambique em outubro de 2017 provocaram 250.000 deslocados e já mataram pelo menos 1.000 pessoas, entre civis, agressores e elementos das Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas.

No último ano, o grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico têm reivindicado alguns dos ataques e as organizações internacionais passaram a classificar o conflito em Cabo Delgado como uma ameaça terrorista.