Diversas Organizações da Sociedade Civil (OSC), marcharam, pacificamente, ontem até à Assembleia da República (AR) em repúdio a um conjunto de artigos contidos na proposta de revisão do Código Penal (CP). As OSC dizem que os referidos artigos – herdados da era colonial, desde 1886 – violam os direitos humanos, para além, de estarem desenquadrados com a realidade da sociedade moçambicana. No entanto, a escassos metros da AR – concretamente no INSS – um forte contingente policial impediu aos manifestantes de entrarem na AR. Apenas, a um grupo restrito foi permitida a entrada para junto da presidente da AR, Verónica Macamo, e de alguns deputados, com particular destaque para o presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais Direitos Humanos e de Legalidade (CACDHL), Teodoro Waty, apresentar as preocupações com relação a revisão do Código Penal.
Num documento entregue à presidente da AR, as organizações reclamam o artigo 223 que “assegura” o casamento entre a vítima de uma violação sexual e o violador. Dizem ainda que “na verdade, esta formulação não só despenaliza a violação, como protege o violador.” Um artigo que segundo Teodoro Waty já foi excluído da revisão do CP. Entretanto, este artigo foi banido esta quarta-feira, um dia antes da marcha.
O outro artigo também tido como um atentado aos direitos humanos é o 218, sobre a violação de menores de 12 anos. O artigo, segundo as OSC protege apenas menores de 12 anos, deixando de lado os demais, o que para a sociedade civil é incompreensível, pois a lei moçambicana “estabelece que uma pessoa até aos 18 anos é considerada criança.”
“Não considera outras formas de violação sexual, como as relações sexuais por via anal, oral ou a introdução de objectos na vagina e ânus em crianças de ambos os sexos”, lê-se no documento em alusão.
A sociedade civil repudia igualmente o artigo 217, que só considera violação, a “cópula ilícita”, o que para eles “deixa de proteger as mulheres casadas violadas pelos maridos.”
A sociedade civil considera ainda que a formulação do artigo 24 sobre os encobridores, “permite que pais, cônjuges, tios primos e outros alterem ou desfaçam os vestígios do crime com propósito de impedir ou prejudicar a investigação, ocultem ou inutilizem as provas, os instrumentos ou objectos de crime com o intuito de concorrer para a impunidade.”
Exigem também, a retirada do artigo 46, sobre a inimputabilidade absoluta, que abre espaço para a criminalização de menores de 10 anos. O que para as OSC, a norma “viola grosseiramente os direitos das crianças e representa um retrocesso, pois actualmente a ideia da imputação é de 16 anos.”
No final, as OSC apelaram aos deputados da AR para que “defendam a Constituição de Moçambique e repudiem todas as normas que violem os direitos” dos cidadãos.
Verónica Macamo pede voto de confiança
A presidente da AR, Verónica Macamo disse aos representantes de diferentes órgãos da sociedade civil que o parlamento “vai analisar à luz da constituição, mas também teremos em conta os passos dados pelo País na defesa dos direitos humanos.”
Verónica Macamo disse ainda que a CACDHL “continua a trabalhar, tendo em conta várias contribuições, incluindo as dos deputados durante o debate na generalidade.”
Entretanto, Macamo pede um “voto de confiança” às OSC. “Queremos também vos pedir um voto de confiança. Não há-de haver recuo nas questões de género e de emancipação da Mulher moçambicana”, disse Macamo, acrescentando que “tudo faremos para a salvaguarda dos direitos fundamentais.”