Fernando Sigaúque foi funcionário da Embaixada da Zâmbia durante 15 anos, de 1980 a 1995, altura em que foi despedido sem pré-aviso e nem justa causa. Levou o caso à Justiça e ganhou a causa, mas desde 1995 que aguarda pela indemnização que a embaixada do País vizinho foi condenada a pagar.
A sentença do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo data de 14 de Outubro de 1995. Obriga a embaixada a pagar indemnização no valor de U$ 15.440.00 mas nem com a decisão do tribunal, a embaixada digna-se a respeitar o direito deste cidadão moçambicano.
O Canalmoz traz aqui a história deste cidadão que dura há 17 anos, entre o Tribunal, Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Assembleia da República. Fernando Sigaúque conta na primeira pessoa o que lhe sucedeu.
“No dia 31 de Janeiro de1995 fui despedido sem justa causa e sem pré-aviso juntamente com os meus colegas de trabalho, pagaram-nos apenas um mês de salário como indemnização, depois de ter trabalhado mais de 15 anos.
Quando fui despedido contactei o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (MINEC) que me aconselhou a meter a queixa no tribunal.
Em resposta ao tribunal, a embaixada disse que se tratava da diminuição de efectivo.
No dia 28 de Agosto de 1996 o caso foi julgado e o tribunal convidou como assistentes os representantes MINEC e os da Zâmbia, porém nenhuma das partes compareceu.
Passados dois dias do julgamento a embaixada enviou uma carta ao tribunal pedindo os cálculos do valor da indemnização. No dia 14 de Outubro do mesmo ano foi proferida a sentença e a embaixada condenada a pagar uma indemnização de U$ 15.440,00 na posse da cópia da aludida sentença.
Entretanto, o alto-comissário da Zâmbia recusou-se a proceder ao pagamento, alegando imunidade diplomática.
Em 1997 voltei ao tribunal onde o processo estava em fase de execução. Constatei que já tinha passado da procuradoria para o MINEC que se declinou a proceder à execução da sentença, alegando que se tratava de uma questão diplomática.
Face a esta situação, o processo foi reenviado à consideração do Procurador-Geral da República, na altura era António Namburete, que sugeriu o congelamento da conta bancária da embaixada até à liquidação da indemnização e encarregou essa missão ao ministério. Porém, o ministro negou a execução da sentença, alegando que se alcançaria uma solução entre os dois Estados.
Pela demora do processo, meti uma exposição à Presidência da República dirigida ao chefe de Estado, na altura Joaquim Chissano, que terminou o mandato sem resolver o caso.
A seis de Setembro de 2005, voltei a meter uma exposição dirigida ao actual chefe de Estado, Armando Guebuza, mas ´venha amanhã´ era o pão de cada-dia.
Depois de tantas voltas, no dia 28 de Abril de 2006 meti uma exposição dirigida ao presidente da Assembleia da República, na altura Eduardo Mulémbwè.
Em decorrência da exposição, em Agosto de 2008 fui ouvido pela Comissão de Petições da AR, só que até hoje nem água vem e nem água vai.
Em 2009, quando se apercebeu que o caso chegou até à assembleia, o encarregado de negócios da Embaixada da Zâmbia chamou-me pedindo para pagar U$ 5 mil. Neguei porque não estava escrito na sentença do Tribunal Judicial.
Ele disse-me que o valor que está na sentença vai demorar, pois teria que pedir o seu governo, se fosse cinco mil dólares pagava ainda no mesmo dia.
Ele disse-me, ainda, que vai demorar, porque o nosso governo tem dívida com o governo zambiano, por isso o governo moçambicano teria medo de andar atrás deste processo.
No dia 18 de Outubro de 2011 marquei audiência com o presidente da Comissão de Petições da Assembleia da República (AR), Mário Sevene, que depois de prometer trabalhar no assunto, mandou-me aguardar 15 dias para depois vir saber qual é a instituição para onde seria encaminhado o caso.
Depois dos 15 dias, fui para a AR e encontrei um funcionário que me disse que o processo foi encaminhado para a Procuradoria-Geral da República.
Fui três vezes à Procuradoria-Geral da República, mas não estava lá, o que me leva a acreditar que era uma pura mentira.
A procuradoria mandou-me de volta à AR para pedir o número da referência da nota do processo, fui à AR pedir o número, mas tive que esperar um mês para que eles me passassem o número da nota do processo-número:ref 014/GPAR/ 201/16/05 recebido em 19/08/2011.
Deram-me um número falso, porque na procuradoria fui levar toda a peça do processo e o meu nome não constava neste número. Na pasta do arquivo da AR sou número 25, na Procuradoria-Geral da República no número 25 consta o nome de Vasco Macome. Não faz sentido no mesmo número da lista haver nomes diferentes.
Ainda nesse último dia que eu estive na PGR, a Comissão de Petições da AR mandou outros processos, procurei um funcionário da procuradoria, mas não encontrei o meu nome.
Fiquei convencido que se tratava duma burla, por parte, da AR, pois a Comissão de Petições manda nomes de todos os cidadãos que têm problema, para o senhor PGR resolver.
Passado algum tempo, voltei à AR que, por sua vez, me remeteu ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas eu não fui, pois estou com Ministério dos Negócios Estrangeiros há 17 anos desde 1996, ano em que o tribunal entregou o caso, mas esta instituição não tem vontade de resolver este caso.
Pensei que AR fosse a casa do povo, uma instituição competente e capaz de resolver os casos de cidadãos moçambicanos injustiçados, mas constatei que a AR e o MINEC são cúmplices.
Isto mostra-me que não há protecção do cidadão moçambicano, por parte do governo e AR, pelo contrário os zambianos protegem os seus cidadãos.
Na Zâmbia, um diplomata moçambicano afecto à Embaixada de Moçambique devia renda a nove meses, o caso foi ao Tribunal de Lusaka, a Embaixada de Moçambique foi condenada a pagar uma indemnização ao cidadão zambiano, naquele momento a embaixada não tinha dinheiro teve que pedir o nosso governo para ir indemnizar um zambiano, no nosso caso não há protecção por parte do governo.
Nos EUA e na Etiópia, zambianos teriam alegadamente vulgarizado os cidadãos daquelas nações, mas como as leis daquelas são para cumprir, as penas dos tribunais foram de cumprimento obrigatório”.
Embaixada da Zâmbia não aborda o assunto
A nossa Reportagem entrou em contacto telefónico com a Embaixada da Zâmbia em Moçambique através da secretária que não quis identificar-se, depois de ouvir o assunto, disse que recebeu ordens do seu superior para procurarmos o tribunal para esclarecer o caso.
O MINEC
O Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, através do assessor de Imprensa, António Matonse, distanciou-se de qualquer conivência no caso e diz que o governo moçambicano deu todos os passos necessários para defender o cidadão moçambicano e explicou-se nos seguintes termos:
“Esta é uma questão entre o cidadão moçambicano Fernando Sigaúque e o Alto Comissariado da Zâmbia em Moçambique, portanto só para esclarecer são essas duas entidades em conflito.
A Embaixada da Zâmbia, de acordo com o tribunal, despediu sem justa causa o senhor Fernando Sigaúque, por essa razão o Tribunal de Maputo determinou que a embaixada devia pagar uma indemnização ao senhor Sigaúque no montante de U$ 15.440, portanto só para explicar que o caso é entre essas duas entidades.
O senhor Sigaúque desde então tem recebido assistência e protecção do executivo moçambicano da Assembleia da República (AR) e dos tribunais de Moçambique, conforme lhe expliquei.
O tribunal ouviu o caso e julgou a embaixada culpada em defesa do cidadão moçambicano. Quando a embaixada não cumpriu com o assunto dirigiu-se ao executivo, a partir do ano 2000 foi a Presidência da República apresentar o caso, e como na estrutura do governo moçambicano o organismo ou o órgão que lhe dá com o mundo exterior é o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, a presidência remeteu o caso ao MINEC, o MINEC em protecção e assistência ao seu cidadão Fernando Sigaúque escreveu várias cartas (aqui se chamam notas verbais) à embaixada a solicitar que cumpra com o estipulado pelo Tribunal Judicial de Maputo, e como isso não aconteceu o ministério escreveu mais cartas e convocou diplomatas zambianos para o ministério. Estiveram em contacto a nível da direcção de assuntos jurídicos e consolares. O ministério transmitiu a mensagem “por favor paguem ao nosso cidadão de acordo com aquilo que foi estipulado pelo tribunal”.
O assunto subiu até ao nível mais alto, o senhor vice-ministro do MINEC recebeu o embaixador da Zâmbia e repetiu a solicitação do governo representado pelo MINEC, mas como o assunto não estava a ser resolvido o senhor Sigaúque foi recebido pela AR, portanto o executivo para assisti-lo e protegê-lo tomou as providencias que eu relatei.
O presidente da AR instrui a Comissão de Petições para ouvir o senhor Sigaúque e o MINEC, e o ministro foi ouvido e explicou as diligências tomadas pelo ministério em assistência e protecção ao senhor Sigaúque, portanto é isso que lhe posso dizer. O nosso papel como ministério é interceder pelo cidadão moçambicano junto à embaixada da Zâmbia.
Fomos informados pela embaixada da Zâmbia que escreveu cartas ao seu ministério e à Procuradoria-Geral da Zâmbia solicitado instruções de resposta. É isso que lhe posso dizer”.
Perante o silêncio da embaixada, o que o MINEC pretende fazer com vista a resolver o problema do cidadão moçambicano. Quais são os passos subsequentes?
“Os passos são exactamente estes que o ministério deu. Eu suponho que se a Embaixada da Zâmbia fosse o jornal Canalmoz o tribunal já teria ordenado outras medidas. Como se trata de una entidade estrangeira, o que o ministério vai continuar a fazer é interceder junto da Embaixada da Zâmbia que representa o estado zambiano”.
Canal Moz