O jurista André Thomashausen considera que a atuação do Governo de Moçambique, na extradição do antigo ministro das Finanças Manuel Chang, ameaça desacreditar o Estado de direito constitucional na vizinha África do Sul.
O jurista sul-africano, alertou também que o caso coloca “em risco” a credibilidade do próprio sistema de justiça no país, assim como a luta contra a corrupção pública “endémica” e o equilíbrio de poderes no regime democrático da África do Sul.
“Vai ferir o princípio do Estado de direito, que aliás o ministro da Justiça sul-africano Ronald Lamola evocou, com muita autoridade, no seu último discurso na Assembleia da República, porque irá também ferir a lei da extradição, que prevê que a competência para tomar esta decisão é a competência do ministro e não é a do Presidente da República Ramaphosa”, frisou André Thomashausen.
Em causa, está a “situação política” criada pelas autoridades moçambicanas em torno da extradição do seu antigo ministro das Finanças, detido há mais de dois anos na África do Sul, a pedido dos Estados Unidos da América (EUA), acusado de lavagem de dinheiro e fraude financeira.
Manuel Chang é considerado “peça-chave” nas chamadas ‘dívidas ocultas’ do Estado moçambicano, contraídas entre 2013 e 2014, à revelia do parlamento, no valor de 2,2 mil milhões de dólares (1,8 milhões de euros, ao câmbio atual), ao assinar as garantias de Estado em nome do Governo do ex-presidente Armando Guebuza.
O “imbróglio” entre os dois países vizinhos, colocou o chefe de Estado “reformista” sul-africano, Cyril Ramaphosa, perante o “dilema” de respeitar a competência jurídica do seu ministro da Justiça no cumprimento de um acordo internacional de extradição, assinado com Washington, em 1999, ou decidir pela extradição para Moçambique devido a “laços históricos” com o “partido irmão”, no poder em Maputo, com quem Pretória não tem um tratado de extradição.
O académico jubilado, especialista em direito constitucional e direito internacional comparado, defendeu que o pedido de extradição concorrente de Moçambique, apresentado depois dos EUA, sublinhou o “conflito de interesses” no seio da liderança do executivo sul-africano.