Quatro obreiros da igreja Ministério Jesus Liberta, localizada no bairro Muave, posto administrativo de Inhamízua, na Beira, estão desde segunda-feira detidos, indiciados na prática do crime de cárcere privado, acto associado a supostos poderes de curar uma jovem de 24 anos, que padece de doença tida como diabólica.
Com os referidos servos de Deus, encontra-se nas celas da 9ª Esquadra da PRM, sita junto ao Aeroporto da Beira, o marido da vítima, Fernando Pedro Alface, de 40 anos de idade, que é um dos fiéis da congregação.
Os obreiros, que durante pelo menos 20 dias mantiveram F. Domingos em situação de privação de liberdade, respondem pelos nomes de Buramuge Pinto Furruma, de 21 anos de idade, Alves Samuel (20), Timóteo João Fandique (30) e Fernando Paulo (19).
Fernando Pedro Alface alegou, em contacto com a imprensa, que, há meses, a companheira começou a ser atacada por uma “doença diabólica”, facto que levou o casal a consultar um médico tradicional “curandeiro”, o qual disse tratar-se de sintomas reveladores de dom para a mulher ser curandeira.
Contudo, alguns dias depois, quando estava no serviço, onde trabalha como jardineiro, apareceu na sua residência uma crente da igreja Ministério Jesus Liberta, que tentou convencer F. Domingos, afirmando que ela poderia ser curada no templo.
“Ela contou-me que chegou uma senhora a dizer que na igreja que frequenta ela podia melhorar. A minha mulher disse-me que não queria o tratamento do curandeiro, porque é jovem. Por isso preferia frequentar a igreja”, disse Alface que, mesmo dentro dos calabouços, está acompanhado de uma bíblia.
Ele afirmou que tudo o que queria era ver a sua parceira a gozar de boa saúde e para isso começou a participar nas orações junto com a mulher.
Ele disse que nos momentos em que o pastor, que responde pelo nome de Manuel Bonga, rezava a sua mulher começava a ficar agitada e depois ficava bem.
“Ela ficava como que tivesse espírito mau. O pastor nos dizia que devemos ficar fortes e ter fé em Deus. Aliás, fomos conhecendo pessoas dentro da igreja que tiveram os mesmos problemas, mas depois melhoraram”, garantiu.
Mas, aparentemente, as orações não afugentaram o “demónio”. Preocupado, o homem quis saber qual seria o passo seguinte, ao que obteve a resposta: “É só ter fé. Ela vai permanecer aqui e nós vamos orar por ela de manhã, a tarde e a noite. Você pode ir para casa. Foi daí que ela ficou internada na igreja até eu chegar a este ponto. Mas eu sempre estava lá”, contou Alface.
Já os obreiros ora encarcerados avançaram que é comum serem internadas pessoas que padecem alguma doença na igreja.
Eles contam que no caso de F. Domingos era preciso que ficasse permanentemente amarrada com capulana porque, quando tivesse crise, a tendência era de quebrar coisas ao seu alcance.
Alves Samuel narrou que ele e seus companheiros estão detidos porque na segunda-feira última chegou a igreja a família da “doente” com uma notificação em nome do pastor.
Entretanto, foram-se apresentar na 9ª Esquadra, de forma a explicar que o líder, Manuel Bonga, se encontra na vizinha província de Manica.
“Quando fomos à Esquadra para dar a informação da ausência do pastor, um dos membros da família disse ao comandante que nós também estávamos no grupo e daí levaram-nos às celas”, contou Samuel.
Ele acrescentou que o líder da igreja Ministério Jesus Liberta estará na Beira.
Entretanto em entrevista ao “Diário de Moçambique”, os familiares de F. Domingos mostraram-se bastante indignados com a atitude tomada pelo esposo desta, de internar uma pessoa na igreja em detrimento de um hospital.
O pai da vítima, Domingos Araújo Pontevida, disse que não sabia da situação da sua filha, pois tinha-se mudado de residência para o bairro de Muave. O genro dizia que era cedo para levar a família a fim de conhecer a nova casa do casal.
“Sempre que ligávamos, ele (Fernando Pedro Alface) dizia que estava tudo bem. Aliás, o meu genro é colega de meu irmão e também dizia a este que em casa estava tudo bem”, lamentou Pontevida.
Ele acrescentou que a sua filha está internada no Hospital Central da Beira (HCB), onde recebe cuidados médicos.
Já o régulo do Muave, Luís Manuel, mais conhecido por régulo Luís, disse estar chocado com a situação. Ele afirmou que não sabia o que estava acontecendo naquela congregação.
“É uma situação triste. É o primeiro caso que acompanho e estou chocado. A igreja é um local para adorar a Deus e não para internamento de doentes, porque o doente já tem um lugar para ser tratado, que é hospital”, sublinhou o régulo Luís.
Por sua vez, a Polícia, através do por porta-voz do comando provincial em Sofala, Daniel Macuácua, adiantou que os autos dos ora detidos já foram lavrados. Garantiu que o processo seguirá a sua tramitação legal.
“Este caso está enquadrado no tipo de crime de cárcere privado, que é previsto e punível no código penal vigente no país”, concluiu Daniel Macuácua.
Diário de Moçambique