Sociedade COVID-19 empata sonho de quem quer ter uma casa condigna

COVID-19 empata sonho de quem quer ter uma casa condigna

O agravamento dos preços de material de construção compromete o sonho de quem ter uma casa condigna para si e sua família. O cimento que devia custar 455 chega a ser vendido por 480 ou 520 meticais o saco de 50 quilogramas, na cidade e província de Maputo. O preço de blocos também regista uma ligeira subida.

Em todas as ferragens e/ou estaleiros os preços de material de construção estão lá bem expostos, mas ninguém se aproxima e ninguém os quer ver. Todavia, todos têm o sonho de construir uma habitação, o que não passa de uma utopia porque os valores são demais para o bolso cidadão.

Felismina Parruque nasceu e cresceu numa casa de construção precária. Aos 70 anos de idade, ela nunca desiste do sonho de ter uma habitação condigna, mas parece que não é desta que tal vai se concretizar. O culpado, desta vez, é o novo Coronavírus.

“Achei que fosse tentar construir, mas parei por falta de material. Não tenho cimento. Tinha iniciado a obra para realizar o desejo de sair da casa de construção precária e os meus dias de vida chegariam ao fim numa habitação condigna, mas não consegui”, lamentou Felismina Parruque, com um olhar fixo na sua obra paralisada.

Felismina dedicou a vida inteira à terra (machamba) e a partir dela não conseguiu muito para ter a casa dos seus sonhos. Juntou um pouco de dinheiro, com o qual apenas fez fundações do seu pequeno castelo e uma quantidade significativa de blocos. Os seus olhos vencidos pela idade ainda não enxergam um horizonte promissor.

“Dói-me o coração, mas o que posso fazer?”, questionou retoricamente Felismina, num tom de quem está resignada. Recorrendo à sua situação, a senhora deu um exemplo com a seguinte metáfora: “sou como um pássaro com asas molhadas e não tem como voar. Não há mais nada e estou à espera de Deus para que da mesma forma que me deu no passado, dê-me novamente. Já não há nada que possa fazer. O meu filho não trabalha”, contou a nossa entrevistada.

Com o filho desempregado e Felismina sem fonte de renda, os blocos amontoados no quintal são usados, aos poucos, para fins que não precisam de dinheiro: improvisar uma cozinha. “Não sei qual é o plano ou como é que farei, mas estou disponível a ajudar minha mãe a ter uma casa condigna. Devo isso a ela. E vou conseguir”, disse Ilídio dos Santos, filho de Felismina, determinado e esperançoso.

Adelina Macarringue já tem um local para dormir, pese embora a obra não esteja ainda concluídas. “Construímos a casa até aqui [inacabada] com o dinheiro de “xitique” (poupança entre pessoas que se juntam para esse fim). Conseguíamos edificar, aos poucos mas agora que temos o Coronavírus interrompemos as obras porque o dinheiro” praticamente já não existe, queixou-se Adelina Macarringue, residente de Marracuene.

Mãe de dois, a mulher de 40 anos está desempregada, o xitique suspenso e a única pessoa que suporta a casa é o marido, através de pequenos trabalhos que faz na vizinhança. Entretanto, o valor que o homem recebe sempre que faz pequenos trabalhos remunerados é insignificante para concluir a obra.

“Para concluir a casa falta varanda e acabamentos na sala. Gostaria, também, de ter um outro quarto, uma vez que tenho três filhos e, por fim, a casa de banho”, enumerou Adelina Macarringue, mergulhada num mar de dúvidas em relação a quando o seu desejo poderá acontecer porque as “coisas estão difíceis” nos dias que correm.

Estas dificuldades são as mesmas que Amélia Machava enfrenta. Mãe de seis filhos, ela gostaria de ampliar a sua casa, que tem apenas dois compartimentos para um total de oito pessoas, mas não há dinheiro.
“Por estes dias, é difícil construir. Não aguentamos. Para piorar, não há trabalhos e vivemos um dia de cada vez. Mesmo para comer é um problema”, revelou Amélia Machava.

Este problema pode ter sido agravado pela COVID-19 que fez subir os preços de material de construção. Ora vejamos: antes da pandemia, um saco de cimento custava entre 390 e 450 meticais. Mas agora os preços rondam entre 440 e 455 meticais. Tanto no mercado formal e informal há quem chega a vender a preços especulativos que variam de 480 até 520 meticais.

Os blocos, que têm no cimento a matéria-prima, também registaram agravamento de preços. Um bloco de tamanho 10 centímetros, que antes era vendido a 19, passou a custar 20 meticais. O de 15 centímetros passou de 21 para 23 meticais.

O ferro de construção sofreu aumento. O de tamanho 10 milímetros, custava 170 meticais, agora está 23. O de oito milímetros era comercializado a 110 meticais mas actualmente está nos 135 meticais.

O economista Elcídio Bachita explica que os preços de material de construção, cada vez mais caros, variam em função da taxa cambial do metical face às moedas dos países de onde é importada a matéria-prima para a sua produção.

“O metical tem registado uma grande depreciação em relação ao dólar americano e ao rand sul-africano. Isso faz com que a importação destas matérias-primas sofra algum agravamento e os custos de produção influenciem na venda do produto final por parte das empresas que produzem”, explicou Elcídio Bachita.

Já o material de construção adquirido, internamente, nomeadamente areia e pedras, tende a manter ou a registar uma ligeira descida de preços.